Estado das Coisas
Nesta época de crise, com tantos sacrifícios pedidos aos portugueses, a que se seguem eleições, ninguém está autorizado a repetir os mesmos erros e a não falar verdade aos portugueses. Falar verdade é não prometer o que já se sabe que não se pode cumprir e é introduzir as reformas necessárias.
Fazer reformas à pressa e com o intuito de correr atrás das eleições é melhor nada fazer. Este princípio serve para todos os sectores. Anunciar reformas que mais não são do que meros princípios vagos e indeterminados é fazer batota e querer enganar. O País não consegue viver mais com batota e com uma política do faz de conta. A justiça ao longo destes anos de democracia tem sido vítima desta realidade. Diagnósticos, experiências e reformas mal feitas e mal pensadas. E o que é grave é que gente responsável sabe e tem consciência do que precisa a justiça para se tornar mais célere, mais eficaz e com resultados. E ninguém quer tomar as medidas exactas para resolver a crise da justiça de alto a baixo, mesmo que, algumas delas, possam contrariar interesses corporativos. Ninguém está inocente. Já não falo da crise de credibilidade e de prestígio institucional.
Falo da crise da sua funcionalidade e da sua eficácia. É possível introduzir reformas na justiça civil, criminal e fiscal que lhes acelerem o passo. É possível acabar com a morosidade da justiça, desde que se façam as reformas certas e adequadas. Mesmo que, algumas delas, os juízes, o ministério público e os advogados não gostem. O que é preciso é que sirvam o cidadão e o País. Não me conformo com esta tragédia sempre adiada que vem passando de governo em governo. É talvez a altura de dizer basta. Se três senhores da "Troika", em vinte dias, disseram o que era preciso fazer, apesar de não conhecerem a nossa realidade, como é possível deixar tudo na mesma? É uma tristeza para todos nós que nos digam o que deve ser feito. Que venham homens de fora governar este País e ensinar-nos a fazer justiça. Toda a gente grita vitória pelas medidas da "Troika", como sendo sua, sem um pingo de vergonha. Mais grave ainda com a maior desfaçatez. Nada é nosso. Os quase novecentos anos de história, que nos deram maioridade intelectual e maturidade, foram hipotecados e esfarrapados por gente de fora, que nos vieram ensinar como devemos ser responsáveis e como nos devemos organizar para podermos cumprir com as nossas obrigações. Mas é pena que no domínio da justiça, estou certo, tudo vai ficar na mesma até uma próxima "Troika". Qualquer dia esta fatia de soberania que ainda representa os valores da justiça para a Nação vai perder força e legitimidade. Que se aproveite este momento para fazer nascer um acordo de regime entre todos os partidos do arco constitucional para salvar, de vez, a justiça, tornando-a um elemento atractivo e respeitado. E não algo que nos aproximamos com repulsa, com descrença e com desrespeito. E lembrem-se que a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte.
In Correio da Manhã online
12/05/2011
Por: Rui Rangel, Juiz Desembargador
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